Desde que eu comecei a graduação em Psicologia, em 2007, eu me sentia intensamente interessada pela capacidade da mente humana em imaginar e criar, e também por suas patologias. No entanto, após conhecer o significado de neuroplasticidade que a grosso modo nos diz que o cérebro é treinável, e então entender que isso nos dá o poder da escolha, eu optei por focar meus estudos na grande diversidade de habilidades humanas que nos favorecem como espécie.
Acredito que, assim como eu, quase todo mundo conhece, ou já conheceu uma pessoa que para as demais parece estranha ou desastrada, e só você parece conhecer algumas de suas habilidades admiráveis. Para mim, essa pessoa foi a Lola, colega de trabalho com quem tive o prazer de conviver em 2014. Naquela época, eu era recrutadora e a Lola veio trabalhar como apoio administrativo do setor de Recursos Humanos.. Ela tinha, notadamente, habilidades sociais que a permitiam conhecer e manter contato com qualquer pessoa na empresa. Lola também gostava de se comunicar publicamente, como quando no final de uma apresentação presencial de visita do CEO na empresa, com uma plateia de mais de 300 funcionários, ela levantou a mão e deu seu feedback da importância de poder ouvi-lo e agradecendo por tal momento.
Acontece que Lola trabalhava em uma função administrativa, e sua seleção não foi feita baseada em suas habilidades, mas em seu currículo, em que constava o ensino médio completo, curso do pacote office, e o diagnóstico de sua deficiência: pessoa com síndrome de Down. Passar o dia em uma tarefa de frente para o computador, como a tabulação de dados em uma planilha de excel, exigia de Lola o enorme esforço de inibir sua vontade de comunicação e suprimir sua atenção alerta, que geralmente a mantém mais interessada no que acontece à sua volta do que em uma ação que demande concentração. Como consequência, embora Lola fosse considerada uma colega de trabalho querida, sua produtividade era baixa para o que devia entregar.
Contrariamente à crença popular de que as características de Lola estão presentes em todas as pessoas com o seu diagnóstico, cada pessoa com Down que foi contratada em um programa de inclusão profissional do qual participei como recrutadora, tinha preferências e comportamentos bem diferentes. Qual o mais e qual o menos capaz? Depende da tarefa. As habilidades de Lola são altamente requeridas em funções que recepcionam pessoas, por exemplo. No entanto, estamos tão habituados a buscar por padrões de inteligência, que nos esquecemos que a inteligência extrapola padrões.
O que Lola não sabe, é que ela foi a minha 1ª grande mestra em inteligência humana, e como tal, me despertou um forte propósito. A minha jornada começou pelo google, buscando mapeamentos de habilidades acessíveis a pessoas com deficiência, primeiro nacionais, e depois globais. Tamanha foi a minha frustração em não encontrar, busquei professores da minha faculdade para pedir indicação, e mais uma vez, a resposta foi: não existem, no entanto havia uma variedade de opções para testes diagnósticos. Os testes diagnósticos focam em identificar as disfunções em uma pessoa, o extremo oposto do que eu buscava. Ao levar o assunto para meus colegas de RH, a unanimidade era de que não havia o que ser feito, pela complexidade do assunto.
Felizmente, eu consegui dividir a minha prática profissional entre a neuropsicologia, que me dava uma visão com enfoque na cognição, e a psicologia organizacional, que me dava o enfoque profissional das pessoas. A cognição é o resultado da neuroplasticidade na interação cérebro-mente, e isso nos diz duas coisas: ela é treinável, e se aplica a qualquer pessoa que tenha um cérebro e uma mente. Com isso, eu tive clareza de uma certeza: a inteligência humana precisa ser considerada a partir da sua diversidade.
O passo seguinte na minha jornada veio em formato de decisão: criar o 1º mapeamento de habilidades cognitivas, baseado em acessibilidade universal. Comecei lendo uma quantidade considerável de artigos, para embasar conceitos como deficiência, neuropsicologia, cognição, avaliação neuropsicológica, dentre outros. Foram revisados cerca de 15 testes a nível global, entre os diagnósticos e cognitivos, considerando sua metodologia, objetivo, e acessibilidade. E com base nessa literatura, em 2016, dei início a escrita do artigo de revisão científica da ANA – Avaliação Neuropsicológica Acessível, a primeira solução gamificada em seleção e desenvolvimento de pessoas, com acessibilidade universal, de minha autoria.
Além do envolvimento científico, me vi submergir em novos desafios profissionais que me prepararam para o empreendedorismo. E felizmente, Lola foi apenas a 1ª dentre grandes mestres que me iniciaram na jornada que me trouxe até aqui, registrada no Conselho Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP) como pesquisadora em avaliações de inteligência humana, como a ANA.
O meu 2º grande mestre foi Bob*, com grande talento na inteligência mecânica, e diagnóstico de retardo mental. Espero que conheça a história de Bob no meu próximo post.
*Nota: Tanto Lola quanto Bob, são nomes fictícios para personagens reais no relato da autora.